Esta é sobre um dos maiores fenómenos do futebol de sempre. O prodigioso Garrincha.
“JÁ ACABOU? QUE CAMPEONATO MIXURUCA É ESSE QUE NEM TEM SEGUNDA VOLTA?”Chamavam-lhe o anjo das pernas tortas, com um argumento insuperável: tinha efectivamente as pernas tortas. Uma perna crescera mais 6cm do que outra e os joelhos curvavam ambos para a esquerda. Os médicos diziam que conseguir andar já seria um milagre. Mano Garrincha fez bem mais do que isso, porém. Andou, correu, curvou,simulou. Tornou-se um malabarista da bola, a alegria de um povo e um exemplo de popularidade. Ganhou 2 mundiais e fez 10 filhos em dois continentes.Era uma criança no corpo de um adulto que o álcool derrotou aos 49 anos. Para trás deixou uma carreira feita de inocência, ingenuidade e humildade. Nunca sabia o nome da equipa contra quem ia jogar e tratava todos os adversários por João. Era uma forma de simplificar o expediente. No fundo, tudo o que não fosse pegar na bola, partir para cima do adversário e ganhar a linha de fundo, era apenas isso: trabalho de escritório. Garrincha detestava-o. Não lhe abria o sorriso na alma de criança.Tanto jogava no Maracanã cheio como no descampado de Pau Grande, a cidade natal para onde regressava, de pois de cada treino no Botafogo, para beber cerveja, jogar futebol e colocar armadilhas para apanhar pássaros.Foi 3 vezes campeão carioca, 3 vezes campeão brasileiro e 2 vezes campeão do mundo: mas os títulos não lhe diziam nada.Na final do Campeonato do Mundo de 58, por exemplo, enquanto os companheiros celebravam como loucos o primeiro título mundial do Brasil, Garrincha parecia perturbado: “Ué, já acabou? Que campeonato mixuruca é esse que nem tem segunda volta?!”. Era o Mundial e Garrincha descobrira que tinha acabado de jogar a final. Mas ele era mesmo assim, só queria driblar, correr e fazer diabruras.Uma outra vez, aliás, fintou toda a gente e ficou uma eternidade à frente do guarda-redes a fazer simulações. Quando lhe perguntaram por que demorar tanto tempo a fazer o golo, Garrincha explicou-se: “o guarda-redes não queria abrir as pernas, fiquei esperando…”Chamavam-lhe a alegria do povo.